09 março, 2007

Uma preocupação pessoal e um filme

Disse o covarde*:

- Me incomoda muito a minha ignorância. Não me sinto devidamente preparado pra escrever sobre nada. As vezes eu me iludo com a minha sabedoria e tenho arroubos literários, mas por sorte eles são poucos. Assim, em silêncio, evito um contrangimento geral. Quanto menos eu escrever, menor o risco de besteiras escaparem, mais seguro eu fico.

Interiores - Woody Allen (1978)

Mata-se pela raiz, dessa forma, qualquer idéia de diálogo e toda possibilidade de crescimento. Resta apenas a mediocridade. Por medo dela, tenho enchido este blog de rascunhos, que aguardam ansiosamente a promoção para o cargo de postagem. As vezes os visito, adiciono algo, mas exijo demais. É preciso recordar que o medo da mediocridade deve ser maior que a vergonha do ignorante. Esse mesmo medo egoísta e auto-indulgente é similar ao que motiva a insegurança da personagem Joey (Mary Beth Hurt) em relação à sua vida. Ela quer atingir uma significação maior, encontrar um meio de se expressar e ser imortalizada. Talvez as minhas pretensões sejam menores, no momento a única é escrever esse texto.

É declarada a influência de Bergman na obra de Woody Allen e conheço muito pouco os filmes do sueco para me meter entre os dois, gerar questionamentos ou apontar pontos de contato que não sejam superficiais. É muito conveniente publicar esse texto sobre "Interiores" em seguida de um sobre "Gritos e Sussurros". Poderia ser sintomas de uma obsessão minha por Bergman, mas defendo que é apenas um interesse, sobre o qual me é fácil escrever.

Seria "Interiores" o mais bergmaniano dos filmes de Woody Allen? Li e me disseram que sim. Não contesto, mas não afirmo. Vi muitos de seus filmes, me arrisco a falar sobre eles, mas não me exponho a tanto. Seria muito irresponsável dizer que "Interiores" é uma versão de Woody Allen para "Gritos e Sussurros". Seria simplista, seria injusto e, principalmente, desvalorizaria por completo o trabalho do americano. Existe muito de um filme em outro, a influência é palpável, mas não vou listar suas semelhanças.

"Interiores" é familiar. Todos as suas preocupações existenciais estão lá, em relação a morte, a arte, a família e a religião, numa concatenação singular. Deve ser o mais silencioso dos filmes de Woody Allen, de tom sério e solene, um peso raro. Uma mise en scène precisa e discursiva (a onipresença de janelas, os tons frios no cenário e no figurino) que converge para uma frieza muito importante ao filme. O trio principal composto por Geraldine Page (a mãe), Diane Keaton e Mary Beth Hurt (duas das irmãs) entrega não só o texto, mas emoções com uma simplicidade bela, uma força contida. Tudo isso com uma grande coesão, causando um efeito certo ao introduzir um personagem alheio a essa frieza, cheio de paixão e vida, capaz até de usar roupas vermelhas e fazer alguma música surgir.

Deve ser um dos filmes mais exatos quanto ao que preocupa Woody Allen, não pela falta de humor, mas pela forma intuitivamente moldada pelo conteúdo.
Sobre isso, falarei mais tarde.



*Não é uma citação do filme. Não é uma citação. Aliás, tudo é uma grande ficção.

26 janeiro, 2007

Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman

Falar um pouco do filme para os desavisados. Agnes está em seu leito de morte, sendo cuidada pela criada Anna e pelas irmãs Karin e Maria, que estão de visita. Lidando com a terrível doença da irmã e sua inevitável morte, as mulheres relacionam-se através de flashbacks, conflitos, carinhos, momentos de rara intimidade e histeria.

Perdão pelo péssimo sumário, não sei como expressar de maneira não-afetada a atmosfera do filme. É extraordinário. Tiro algumas conclusões do pouco que conheço sobre Bergman (a maior parte através de leitura, este é apenas o terceiro filme do sueco que vejo). O uso da cor é praticamente singular na sua filmografia, grande parte de suas obras filmadas em preto e branco. Em Gritos e Sussurro vemos o branco e o preto do figurino emoldurado pelo vermelho do cenário em quase todas as cenas. O vermelho é influência importante na psique dos personagens, explicitamente nas diversas "dissoluções para o vermelho" (fade to red seria um exagero de anglicismo e neologismo?) presentes antes e depois de flashbacks e alucinações. Expediente semelhante ao utilizado em Marnie, por Hitchcock, mas com algumas diferenças. Em Marnie há uma explicação diegética para a relação da heroína com a cor vermelha, já Gritos e Sussurros não pede nenhum explicação. Em ambos os casos, é um elemento exterior ao personagem que se relaciona com a sua memória.

Como diretor de teatro antes de cinema, Igmar Bergman é generoso com os atores. Consegue, numa expressão, num movimento quase imperceptivel do rosto captado pelo close (e quantos closes), expressar sentimentos muito fortes, não apenas femininos, mas humanos. Faço essa observação por que Gritos e Sussurros é um filme de mulheres. Isso porque os homens estão ali apenas como contraponto bruto, para tocar friamente e dizer o desnecessário. As mulheres tocam com a alma e falam com os olhos, revelam sentimentos singulares e tocantes com uma sutileza incomparável. O tema recorrente do toque de uma mão em um rosto remete a possibilidade de uma maior intimidade entre os personagens, que nunca vemos.

Em alguns momentos o filme me fez pensar em Teorema, de Pasolini, não só pelos dois filmes retratarem as empregadas como os personagens mais puros e inocentes. Talvez por um clima de explosão do nucleo familiar, talvez por um subtexto religioso quase oposto, mas que me agrada pela sutileza. É algo que não consegui captar claramente, muito menos desenvolver um idéia conclusiva sobre.